Manuel

Manuel gosta de história e, particularmente, o que fez da sua. Trabalhava como motorista, conhecia as cidades do interior. Em cada viagem, um experiência, um causo, um acaso pra contar.
Contou pra mim alguns, tornou o serviço prestado melhor, agradável, fez os minutos sumirem no tempo, fingiu que a prestação em si não acontecia. Parecia estar num banco de praça, ou ainda dentro do seu carro, na época em que era motorista.
Lembrava com saudades o tempo em que conhecia pessoas pelos arredores da vida. Tornava seu discurso não nostálgico, comum entre os da terceira idade, mas agradável e saboroso.
Encontrei Manuel ao acaso. Foi uma porta que vi aberta a um preço camarada.
Manuel cortou o meu cabelo. Manuel ganhou mais um cliente.
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O sistema dos objetos
Escher, mão com esfera refletora, 1935Tenho o bom hábito de, sempre ao sair de casa para dar aulas ou para alguma ocasião importante, olhar no espelho e fazer alguns elogios à minha nobre pessoa. O trabalho de Escher, estranhamente, lembrou-me desse hábito. Talvez porque a esfera reproduza praticamente todo o ambiente em que se encontra o artista, neste, que é considerado um dos auto-retratos mais criativos da história da arte. O apartamento em que estou, pequeno mas aconchegante, reflete-me nas pequenas coisas que o compõe.
Engraçado esse poder que as coisas tem de dar vida a um lugar. Coisas inanimadas que dão vida a um espaço qualquer. Apesar de não-vivas, podem ser novas e antigas, o que explica a "vivacidade" das primeiras. O filósofo Baudrillard, que escreveu "O sistema dos objetos" talvez explicasse melhor essa aura iluminada sobre as coisas que compõe o lugar.
Ontem morreu o filósofo. Vão com ele a forte crítica à comunicação de massa e à sociedade de consumo. Vai também essa minha dúvida com relação aos objetos que me cercam. Cerco-me de livros novos, papéis, roupas, comidas, móveis. Transformo minha personalidade em matéria. A casa dos meus pais guarda memórias, de outros tempos. Olho para as coisas de lá e acho velhas. As daqui, mesmo que tenham vindo de lá, considero novas, já que continuam me acompanhando, por isso sempre novas.
E uma amiga que foi até a casa da Lina Bo Bardi em São Paulo e disse que a casa foi preservada nos mínimos detalhes depois que ela morreu. Xampu, sabonete, talheres. Tudo ainda está na casa. Velha para quem visita. Eterna para quem a deixou.
Os objetos e suas histórias.
Mais? Dá uma olhada
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